Olá, queridos leitores!
Sei que estamos sumidos das postagens de mangás, apesar do nosso trabalho contínuo nos bastidores. Mas, como nem só de mangás vivem as fujoshi/fudanshi, o Suiren traz para vocês uma entrevista exclusiva com a mangaká de Ten Count, Takarai Rihito.
Ela deu esta entrevista para um “guia para iniciantes em BL”. Quê? Bem, vou explicar. Estava eu andando pelas livrarias em Jinbochou mês passado (quando consegui fugir das milhões de horas extras que faço pra pegar alguma livraria aberta) e encontrei um tal “Hajimete no Hito no tame no BL Guide” com a capa ilustrada pela Takarai Rihito.
Acho muito interessante, pois contém toda a história do BL e entrevistas com várias mangakás como SHOOWA, Monchi Kaori, Hideyoshico, Kusama Sakae, entre outras. Tem uma parte chamada “key words” com a explicação das palavras usadas no universo BL e, a mais fantástica de todas, que contém todos os BLs que fizeram sucesso desde a década de 70 até os dias atuais, além de uma listagem completa de todas as revistas e antologias BL já lançadas.
Realmente, é um guia completo e gostaríamos de trazer mais dele pra vocês. Então, vamos à entrevista.
Entrevista 01 – Takarai Rihito
Fonte: Hajimete no Hito no tame no BL Guide
Publicado em 3 de Outubro de 2015
650 mil cópias vendidas.
Obras de leitura agradável e de uma beleza cativante.
As obras de Takarai Rihito são, muitas vezes, recomendadas para iniciantes por serem considerados BLs inocentes. Porém, sua mais recente obra “Ten Count” mostra uma nova face. A inocência sendo gradualmente corrompida pela sujeira e dominada por um desejo impróprio é como esta obra está sendo apresentada. Qual conjunto de eventos levou à criação desta obra? Existe algum objetivo por trás destes traços finos e delicados?
“Certamente há outras pessoas que gostam das coisas que eu gosto.”
Q: Fale um pouco de como “Ten Count” surgiu.
Takarai: Desde quando eu comecei a desenhar doujinshis, sempre gostei desta coisa de brincar com as palavras e pensar “este nome daria um bom título para uma história”. Seja em japonês, inglês, ditados, ou até mesmo nome de músicas. Em momento nenhum eu penso “quero escrever sobre tal coisa” – meus títulos nunca começam por aí. Sobre Ten Count, foi um amigo meu que comentou uma vez que o trabalho era uma coisa maravilhosa e, então, eu achei aquilo interessante e falei brincando para me deixar usar essas palavras para o meu próximo trabalho. Quando comecei a desenhar a próxima série, acabei lembrando disso e daí surgiu “Trabalho Limpo”**. Então, fui pensando em uma história em que um dos lados era o que fazia um trabalho de limpar ou cuidar da limpeza (como um faxineiro ou alguém que faz um trabalho limpo, como enfermeiros) e em contraste a isso criar uma personagem em que tocar em sujeira ou em pessoas seria uma coisa absurda, inimaginável, ou seja, uma pessoa com obsessão por limpeza, sendo que este enfermeiro no caso ficaria incumbido de cuidar deste “paciente”. E foi pensando várias vezes nisso que a história se formou.
**NT: “kirei” é uma palavra que define limpo e bonito ao mesmo tempo. O titulo original “kirei na oshigoto” usa o kirei como “limpo”.
Q: Qual o motivo que te levou a mudar o titulo de “Trabalho Limpo” para “Ten Count”?
Takarai: Eu, na verdade, sempre quis descartar esse nome “Trabalho Limpo”, mas o plot já estava definido como “as 10 coisas que precisam ser superadas”. Pensei em colocar como título o número 10 que o Shirotani não conseguiu escrever. No final das contas, em vez de colocar um título relacionado com a obsessão por limpeza, coloquei Ten Count, que faz referencia a estas 10 coisas que precisam ser vencidas. Um titulo simples.
Q: Qual a sua intenção ao juntar um jovem obcecado por limpeza e seu terapeuta?
Takarai: Ainda em “Trabalho Limpo”, quando pensei no Shirotani obcecado por limpeza, já tinha pensando no Kurose como seu terapeuta (risos). Queria fazer de uma forma que os dois se conhecessem ao acaso, dois completos estranhos, e não que tivessem uma relação de amizade. Pensei em como seria o primeiro encontro deles em uma cafeteria, então decidi que o Kurose deveria ser um terapeuta.
Q: Fale sobre algo que você quer ou queria desenhar em Ten Count.
Takarai: No começo, eu queria desenhar ternos e uniformes brancos; um personagem como tal e tal personalidade, uma coisa bem direta. Quando comecei a desenhar o Shirotani e o Kurose eu ainda não tinha definido suas personalidades. Foi meio que “talvez seja melhor um personagem assim, ou assim”. Mas agora é algo como “o personagem está usando este terno, então ele falaria deste jeito e sua expressão seria assim”. Acho que esta é a melhor definição que poderia dar. É por isso que quanto mais eu vou dando continuidade à história, as situações vão surgindo na minha cabeça, mas não é uma coisa “ah, porque eu gosto disso, mesmo que ninguém goste eu vou desenhar” e sim “certamente existem outras pessoas que gostam das coisas que eu gosto”. Acreditando nisso, vou desenhando. Fora o BL, não consigo pensar em mais nenhum hobby em especial, então as pessoas que leem BL, em maior ou menor número, vão concordar com as coisas que eu gosto. Eu gostaria de ver uma cena assim, então quanto mais eu desenho, mais eu penso que as pessoas que gostam de BL vão me mostrar suas reações. Ou seria algo como “ vou dar ênfase àquilo que eu gosto de desenhar”, porque se não for desse jeito, acho que seria algo muito vago.
“Vou desenhar isso porque eu gosto. E é justamente porque não gosto disso que vou desenhar.”
Q: Temos a impressão que você gosta de desenhar mãos. Como é isso?
Takarai: É mesmo, né?! Eu não sei por que eu gosto de desenhar mãos, mas tem muita gente que não gosta, então fico pensando que é um desperdício, de tanto que eu gosto (risos).
Q: Apesar de acharmos que muita gente não gosta de desenhar mãos (risos).
Takarai: Quando estavámos no ginásio ou no colegial, não ficávamos fazendo desenhinhos na ponta da folha do caderno? Eu, em vez de desenhar rostos dos personagens, passava horas desenhando mãos. Na época do ginásio, lia os mangás da CLAMP e fica pensando: “que mãos lindas”. No colegial, quando vi pela primeira vez as obras do Samura Hiroaki sensei, quase cai pra trás e queria desenhar igual. Observando seus desenhos, eu criei meu próprio estilo e passava as aulas desenhando assim. Sempre pensei em desenhar as articulações e as veias das mãos em um mangá, mas não tinha nenhum personagem que combinasse e fiquei muito satisfeita por poder desenhar as mãos do Kurose assim (risos).
Q: As luvas que você desenha também tem muitos detalhes.
Takarai: Foi bem fácil quando comecei a desenhar luvas normais destas de desenho. Mas, ao desenhar luvas de verdade, se você desenhar o comprimento dos dedos superficialmente, eles vão parecer mais curtos então você tem de combinar o comprimento e a quantidade de rugas. Desenho as luvas como se fosse em fotos.
Q: Dentro das características dos seus mangás, tem alguma em especial com a qual você se importe?
Takarai: Antes de Ten Count, falavam frequentemente que meus mangas eram alegres e leves. Eu sei que existem pessoas que gostam deste tipo de leitura, mas as que leem muito BL já não são tão fãs assim deste tipo de história, então eu tomo cuidado pra não ficar leve demais.
Q: Mesmo pensando que são cenas de sexo e querendo que elas sejam bem molhadas, existe algum desconforto em alguns casos. É difícil achar um balanço?
Takarai: O que é sexy varia de pessoa para pessoa. Tem pessoas que gostam destas cenas e, então, penso que é bom não me limitar tanto. Mas se for uma coisa que eu não gosto muito, acabo me afastando. Por isso, sou bem parcial nas situações que envolvem sexo, mas isso é um erro que muitos autores cometem. Então em Ten Count resolvi arriscar, e uma das coisas em que eu me aventurei foi o banheiro público. Pra mim, é muito difícil ler mangás com banheiros públicos. Eu sempre achei sujo e evitei este tipo de lugar, então, isso pra mim foi um desafio. Depois que você cria a história, a gama de coisas que você pode desenhar é cada vez maior. Por isso, é bom desenhar personagens com características que você não entende ou confusos. Não é uma questão de mudar o seu estilo de desenhar, mas sim de adicionar algo ao o que você sempre desenha.
Q: Após superar uma etapa, seguir se desafiando faz com que o mundo se amplie cada vez mais, não é?
Takarai: Ah, mas não é bom ficar muito obcecado com isso, senão os leitores acabam se afastando e, aí, eu é que vou me dar mal.
“Para que todos leiam até o final, eu me importo muito com a fluidez.”
Q: Os seus mangás passam a impressão de terem informações muito bem organizadas, mas como são seus storyboards e seus layouts?
Takarai: Antes de escrever o storyboard, primeiro imagino a história. Se eu não fizer isso, não sei onde e em que situações os personagens vão se encontrar. “Ele vai andar até aqui”, “o joelho vai ficar deste jeito”, “em que angulo eu vou desenhar o personagem?” – depois que eu imagino tudo isso como em um filme, começo a desenhar o storyboard. Eu vejo as ilustrações nos livros e nos mangás, aí penso “será que é assim?” quando estou desenhando meu próprio mangá, então preciso imaginar.
Do storyboard para a arte final eu já faço pensando no formato da revista. Penso no posicionamento do rosto do personagem ao abrir a página, penso no enquadramento, penso de que página a que página os quadros vão entrar na revista, de que ponto a que ponto posso puxar para ter um melhor efeito; este tipo de organização é uma coisa que eu faço.Depois disso, faço o mínimo necessário de cenário. Na verdade, já deixo feito no manuscrito e, se necessário, eu adiciono.
Sobre o ritmo dos layouts, se você desenhar direto, suas manias acabam aparecendo. Por exemplo, um quadro em que o personagem se assusta, eu coloco na parte de cima. Eu acho que desde a época de Seven Days este tipo de mania aparece bem. No começo, eu mesma não percebi. Só me dei conta depois que me falaram. Eu acho que todas as obras com o mesmo tipo de layout ficam muito monótonas, mas como fazer para desenhar num ritmo bom pra mim eu ainda não sei (risos).
Q: Sobre os cenários, dá pra sentir que você trabalha muito bem os espaços em branco e onde posiciona os desenhos.
Takarai: As obras do Nihei Tsutomu sensei tiveram um impacto muito grande em mim. Principalmente os cenários de “Blame”. Mesmo tendo a história como principal, o modo de como os cenários acompanham é uma coisa maravilhosa, então eu pensei que seria bom desenhar daquela maneira também. Eu era muito ruim quando comecei a desenhar doujinshis, mas acreditando nas palavras dos autores mais velhos de que “quanto mais você desenha melhor você fica”, eu comecei a desenhar cenários quando tinha tempo. Por outro lado, fica muito difícil de ler. Dizem que fica mais fácil quando você coloca mais cenário, mas isso requer muita técnica, então eu comecei a pensar onde colocar o personagem, onde deixar os espaços em branco… tudo isso precisa ter em um mangá.
Mas ritmo de leitura é feito pela intensidade das cenas dos dois lados. Eu entendi que colocar fundos em todos os quadros muitas vezes não é uma boa, e depende também para onde o olhar do leitor e guiado. De onde devo começar a ler, das falas ou dos cenários? Isso fica difícil de entender e aos poucos difícil de ler, também fazendo com que o leitor pare no meio da obra. Além disso, por mais que seja interessante, vão pensar que não é por causa disso. Antes de pensarem se é ou não interessante, eu quero que leiam até o fim, então faço o possível para que fique fácil de ler. Por isso, quando me perguntam sobre com que eu mais me importo ao desenhar um mangá, digo que é com a facilidade e a fluidez na leitura. Quero que entendam no momento em que abram a página onde estão as falas, em qual ordem fica mais fácil pra ler. Eu tomo muito cuidado com isso em um mangá.
Q: O que você acha que mais chama atenção em um manga BL?
Takarai: Será que é porque BL é um gênero que dá pra desenhar de tudo? Pode ter características de shounen, shoujo, ambiente escolar, salaryman, yakuza… Não precisa nem ser entre pessoas, pode ter qualquer tipo de personagem. O conteúdo também pode ser sobre uma infinidade de gêneros. Dependendo do autor, pode ter mais ou menos cenas eróticas. Assim, você pode desenhar o que você quiser e sente que pode conversar com pessoas que gostam das mesmas coisas que você. Falam que BL é fantasia, mas eu não penso assim. O mundo dos gays é algo intangível para nós mulheres e, por não vivenciar isso, parece ser algo irreal. Proporcionar esse prazer de poder espiar esse mundo que não faz parte da nossa realidade, me deixa muito feliz; é muito divertido.
Q: Deixe uma mensagem para os leitores.
Takarai: Ten Count é um pouco diferente de tudo que já desenhei até agora. Em toda obra eu fico na dúvida e penso “será que este é o melhor?” ou que seria bom se conseguisse desenhar com a mesma alegria. Ficaria muito feliz se vocês acompanhassem mais um pouco os sussurros dos dois (risos).
Takarai Rihito Check List Q&A
Q1: Fale sobre sua reação ao ler um mangá BL pela primeira vez.
T: Então é assim que é um boys love…
Q2: Quanto tempo demora para uma página colorida ficar pronta (em dias)?
T: Entre meio e três dias.
Q3: E uma página em preto e branco?
T: De 1 a 5 horas.
Q4: Quais materiais (software) você usa?
T: SAI, Photoshop e Clip Studio.
Q5: O que mais ocupa seu tempo em um manuscrito?
T: Se for mangá, é a parte de passar a caneta. Fisicamente.
Q6: A parte mais divertida na produção do manuscrito?
T: Entregar.
Q7: Qual seu lema?
T: Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
Q8: O que você sempre leva com você?
T: iPod.
Q9: A cena mais moe de um BL é…?
T: São muitas, não consigo dizer.
Q10: Qual seu fetiche?
T: Mãos?
Q11: Se você tivesse um mês de férias, o que faria?
T: Dormiria e assistiria a filmes, como sempre.
Q12: O que tem atraído a sua atenção ultimamente?
T: Os donuts fofinhos das lojas de conveniência.
Q13: Qual o BL que você recomenda?
T: São muitos…
Q14: Deixe uma mensagem para os leitores.
T: Muito obrigada por lerem! Vou me esforçar muito para poder desenhar muitas obras interessantes para vocês.
Takarai Rihito
Foi uma entrevista bem longa de traduzir, mas valeu a pena, porque agora sabemos um pouco mais de como a mangaká favorita de muitos de vocês desenha e pensa na hora de desenhar um mangá.
Fiquem com algumas imagens do guia. Espero que gostem!
Se tiver mais alguma mangaká que vocês gostariam de saber mais, é só deixar uma mensagem que vamos tentar ir atrás.